«Sobre o Acordo Ortográfico que para mim o debate tem sido no campo acessório. O principal nunca foi debatido. Portugal, talvez por falta de argumentos humanos e financeiros deixou-se levar, por uma iniciativa arrogante que compromete quase tudo. O Acordo Ortográfico, está provado, vai limitar ainda mais a expansão do português. É daí que defendo que, Portugal, enquanto dono da língua, responsável pelo património comum, não podia nunca ir atrás das aberrantes, controversas, desnecessárias e inexplicáveis iniciativas brasileiras de melhorar, senão piorar o português. O Acordo Ortográfico na minha opinião, para além de ser uma questão de pormenor muito insignificante, é um atentado contra a aprendizagem de todos.»

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Língua Portuguesa: um Património comum para evoluir ou para expandir?

Quando recebi o prestigiante convite do Jornal ‘Público’ para, em português emitir a minha modesta opinião sobre ‘Os 800 anos da língua portuguesa’, vieram-me a mente muitas coisas. Uma delas é que iria emitir a minha desactualizada e provavelmente desnecessária opinião sobre o património comum de Estados e bem de milhões de pessoas.

Mas a primeira coisa que me veio a mente e quase pulei da cadeira em que me encontrava sentado quando abri o convite, é que se tratava de uma indisperdiçável oportunidade de poder homenagear, Vasco Graça Moura, não por ser para mim, depois de Luís Camões, o maior e mais declarado lutador pela causa do português. Lutador por um património comum, que certos quiseram branquear (para ser mais suave), em nome da intelectualidade. Foi professor, foi jornalista, foi deputado em que o instrumento do trabalho em tudo foi o português que aprendeu como nativo português, mas a particularidade da homenagem está ligada a sua opinião e a sua posição contra ‘o Acordo Ortográfico’.

A tal decisão assumida pelos Estados membros da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP) que até aqui, só contribuiu para desarrumar um português, que, comparando com as outras línguas parece o mais organizado de todos.

Graça Moura lutou na defesa do português puro. Vasco Graça Moura acha que o português antes do ‘Acordo Ortográfico’ estava melhor e também acho o mesmo. E logo dessa conclusão fiz uma analogia entre o que ele pensava sobre o Português e aquilo que Portugal tem feito para o português, como língua de milhões de humanos. A conclusão que cheguei é que, contrariamente a certas mentes e alguns estudiosos, Vasco Graça Moura queria a expansão em vez da evolução.

Até porque a evolução de uma língua, na minha opinião, embora interessante, não é pertinente ou indispensável.

Mas fora destas presunções a volta do pensamento de Vasco Graça Moura, que aceitou até ser alvo de sanções para fazer valer a sua posição, acho que o português precisa de muita coisa. E Portugal como dono da nossa língua comum em 8 Países do mundo, tem de assumir o comando daquilo que precisa de ser levado a cabo para o bem do português. O português não está bem, porque não é falado e nem todos o falam.

E o que é que precisa de ser feito? Tal como os navegadores portugueses foram ao mundo há milhares de anos na busca de terras para colonizar, hoje mais do que nunca, Portugal deve regressar ao mundo para expandir o português.

Fora de Portugal e o Brasil e talvez Angola, não existe, no mundo um outro país lusófono em que se fala suficientemente o português. Essa realidade nua, que certamente Portugal nunca se curou em estudar ou analisar, se deve fundamentalmente a falta de iniciativas de expansão. Os governantes portugueses se refugiram na ideia da pobreza e de quantidade e nunca se preocuparam em expandir a língua. Tanto assim que, mesmo sendo quinta ou sexta língua mais falada no mundo, Portugal tarda em ser língua de trabalho em muitas organizações. Nas Nações Unidas, o assunto parece ainda não ter entrado na agenda; nas regiões continentais, seja no Ocidente (CEDEAO) como no austral (SADC), ou lás nas paragens em que Timor-Leste nasceu há 12 anos, o problema do português e a sua expansão prevalece. Portanto para mim, o problema do português devia ser expansão e não de evolução. E por ser património comum, onde Portugal é o principal responsável, tinha que assumir posições, pelo menos certeiras.

Na África Ocidental, por exemplo, onde a Guiné-Bissau e Cabo Verde são membros da CEDEAO, as línguas dominantes são o francês e o inglês. Na zona Austral ou na SADC em que, Angola e Moçambique também são membros, domina o inglês. Não se pode nunca basear nos cálculos que levam a erro qualquer analista e qualquer um, quando de forma global, se diz que, dos cerca de 250 milhões de habitantes nos países da CPLP, quase 200 milhões falam o Português. Estes dados enganam qualquer analista menos atento, porque não se apercebe que só Portugal e o Brasil tem quase 185 falantes, por causa das suas culturas. Os cálculos da expansão do português têm de ser selectivo. País por País; cultura por cultura e realidade por realidade. Quando assim for, se vai concluir rapidamente que há um erro de cálculos, pensando que há um número suficiente dos falantes do português.

Na Guiné-Bissau, o país que sofreu a colonização de Portugal durante mais de 500 anos, a situação é aberrante e perigosa. Numa população de cerca de 1,6 milhões de habitantes, menos de 25% fala o português e não interessa saber se é de forma correcta ou não. A situação é aberrante, porque existem situações em que, mesmo sendo um país de Língua Oficial Portuguesa, os documentos são produzidos em inglês. Perigosas, porque depois de 500 anos de colonização, os guineenses que falam o português se contam pelos dedos de uma mão. Daí a necessidade da expansão depois, evolução.

Porquê é que isso acontece? Acontece por causa de ausência de estratégia comum para a defesa da Língua. Nem em Portugal, e muito menos noutros países lusófonos.

Qual é a vantagem de instalar confusão na escrita do português com o Acordo Ortográfico?
Sobre o Acordo Ortográfico que para mim o debate tem sido no campo acessório. O principal nunca foi debatido. Portugal, talvez por falta de argumentos humanos e financeiros deixou-se levar, por uma iniciativa arrogante que compromete quase tudo. O Acordo Ortográfico, está provado, vai limitar ainda mais a expansão do português. É daí que defendo que, Portugal, enquanto dono da língua, responsável pelo património comum, não podia nunca ir atrás das aberrantes, controversas, desnecessárias e inexplicáveis iniciativas brasileiras de melhorar, senão piorar o português. O Acordo Ortográfico na minha opinião, para além de ser uma questão de pormenor muito insignificante, é um atentado contra a aprendizagem de todos.

Hoje em dia, são poucos os lusófonos que sabem escrever o português por causa do Acordo Ortográfico. Mais grave é que, aqueles que assumiram a iniciativa de assinar o Acordo, não fizeram e nem pretende fazer nada para a vulgarização das alterações ortográficas. Aqui na Guiné-Bissau, nunca ouvi as estruturas do Estado a falar em Acordos Ortográficos.

Nunca. Nem sei se já adoptaram a Convenção ou não. A maioria dos que falam o português não sabe da existência do ‘Acordo’ e muito menos as alterações que trouxe. E mais grave neste momento na lusofonia, é que, a seguir ao ‘Acordo Ortográfico’, passou-se a escrever com base na intuição, na imaginação e na incerteza. Todos nós, tornamos em aprendizes do português, porque (se no passado ninguém dominava por inteiro a gramática e o dicionário), as novas regras ortográficas pioraram ainda mais essa incapacidade.

São milhares de debates que já assiste, de intelectuais inclusive, onde o tema central, era apenas acertar como é que uma determinada palavra se escrevia, baseando no acordo. Ou seja, o mundo português se preocupou mais com pormenores e assuntos colaterais, em vez de pensar na expansão da língua.

Portugal e o abandono das iniciativas de expansão do português
Quem conhece no fundo a política da cooperação portuguesa no passado, chega rapidamente a conclusão que, houve quem pensou no português noutras partes. Quem analisa a situação de momento, rapidamente apercebe que, não houve seguimento. Tudo aquilo que Portugal fez nos países colonizados, está paulatinamente a ser abandonado e em consequência disso, o português, perde o espaço para outras línguas. Os mais de 175 milhões de vidas e humanos com que os brasileiros contribuíram para a Comunidade deviam ser aproveitados para o interesse comum. Infelizmente não está a ser, porque os brasileiros, querem apenas resolver os seus problemas, impondo a minoria, uma cultura ou realidade desinteressante e pouco convincente. Nos países lusófonos, as iniciativas de longa data em nome do bem do português são poucos e têm diminuído em nome da crise e certamente da austeridade. Basta dizer que, o Centro Cultural Português na Guiné-Bissau (sem capacidade para albergar 200 pessoas) tinha programa de rádio chamado ‘Dúvidas do ouvir e falar o português’. O programa já não existe. Era uma iniciativa que ajudava não só os estudantes, como os não estudantes.

Hoje, a parca contribuição Portugal na língua portuguesa se circunscreveu apenas na educação e no ensino Superior. Ou seja, preocuparam com aqueles que aparentemente já percebem alguma coisa do português. Quem nos confins da Guiné-Bissau nunca falou o português, não interessa Portugal. Mas alguém pode perguntar, será Portugal competente e responsável para expansão do Português na Guiné-Bissau? Onde está o Estado guineense. Se essa pergunta aparecer, a resposta será de lembrar apenas que, o Estado guineense, não consegue sequer segurar um ano lectivo até ao fim. A Cooperação Portuguesa em nome da austeridade, abandona até o indispensável. E o indispensável neste caso, é ensinar as pessoas independentemente de ser estudantes, intelectuais ou Zé Povinho. Assim, a Língua ganha e a Comunidade também.

Jornalista, Chefe de Redacção do Jornal Última Hora (Guiné-Bissau). Texto originalmente publicado a 1 Julho 2014

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Sabino Santos, publicado no jornal “Última Hora” (Guiné-Bissau) em 01.07.14. Reproduzido pelo jornal “Público” em 27.07.14, no âmbito da iniciativa «24 jornais escrevem sobre futuro do português» (ver “compilação” AQUI). Imagem (bandeira da Guiné-Bissau) de Wikipedia.]

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