Jactância, megalomania, cupidez, prepotência, hipocrisia, estupidez, servilismo, cobardia, saloiice, seguidismo, ignorância, incúria, preguiça… ‘em nossa perdição se conjuraram’; mas nem tanto era preciso, pois a estupidez, a saloiice, a preguiça e a cobardia bastariam para explicar o entusiasmo da nossa classe dominante – política, intelectual, cultural, universitária, jornalística, editorial e até empresarial – pelo Acordo Ortográfico de 1990!
Estupidez – Nenhum acordo ortográfico pode “unificar” o que a evolução natural da língua portuguesa, em espaços geográfica, social e culturalmente diferentes (designadamente Portugal e Brasil), fez divergir de modo irreversível; o Português é uma língua internacional há muito tempo e não precisou de nenhum acordo ortográfico para isso; ainda que fosse possível “unificar” a ortografia, haveria sempre que optar pela norma linguística portuguesa ou brasileira, com características lexicais, morfológicas, sintácticas e fonético-fonológicas próprias, o que os defensores do AO90 se esforçam por escamotear; acreditar que o número de falantes de uma língua, no mesmo país (por oposição à sua extensão planetária) é determinante para o seu prestígio internacional é insano e, no entanto, esse ‘grande’ argumento foi esgrimido pelo Ministro da Cultura de José Sócrates, José António Pinto Ribeiro, grande ‘acelerador’ da aplicação do AO90 em Portugal: “E eles [os brasileiros] eram apenas 70 milhões em 1960. De 1960 para 2008 triplicaram, e isso significa fazer 130 milhões de falantes do português, mais do que nós fizemos em todo o nosso passado.” (“Público”, 04/02/2009); conceber uma “política” de língua nacional e internacional com base nestes pressupostos quantitativos é indigente; desconhecer que Portugal é o único país da CPLP onde ‘todos’ os habitantes (100%) falam realmente e há séculos o português, sendo também agora muito mais alfabetizados, é idiota; fingir ignorar que o AO90, feito à medida do Brasil, serve apenas e intencionalmente a expansão do português brasileiro, nomeadamente nos países de língua oficial portuguesa, é ardil que só engana os tolos.
O AO90 promoverá – e entre nós isso é cada vez mais evidente – a instabilidade ortográfica, em todo o universo da norma euro-afro-asiático-oceânica, que gozava há décadas da uniformidade possível, tendo em conta ligeiras e enriquecedoras variantes regionais; entregar ao Brasil este extenso universo linguístico – criado ao longo da nossa História comum e que tínhamos à mão para trabalhar, em cooperação com os cidadãos, as entidades e os países interessados – não será, até em termos económicos, culturais e sociais, uma estupidez? E impor o AO90, sem discussão prévia, naquela postura soberba de quem nunca tem dúvidas, recusando ouvir os outros, simples cidadãos ou especialistas, não será também, além dum atropelo à democracia, simplesmente estupidez?
Saloiice – O que ‘eles’ dizem: o AO90 é necessário porque “a língua evolui” (“evolução” esta profetizada há mais de 23 anos!…), quando a “evolução” da língua, como já vimos, é contrária à pretensa “unificação” ortográfica; é “moderno” escrever assim e a “moda” é um valor supremo, só os “retrógrados” e “antiquados”, “Velhos do Restelo” se opõem; ser “progressista” é ser a favor da “mudança”, só pela “mudança”; as novas tecnologias exigem a “simplificação” da língua, há que viver com os novos tempos; o Brasil é rico, um país de futuro, uma economia emergente, há que aproveitar a boleia desse grande país, caso contrário a nossa língua ficará um dialecto esquecido ou uma língua morta, como o Latim; sempre na vanguarda do “progresso”, há que introduzir urgentemente no ensino a “nova” ortografia, assim como as mais recentes novidades linguísticas, como a TLEBS** e o Dicionário Terminológico, tudo com a bênção ‘esmagadora’ do MEC e da APP, entre outros, e a aceitação entusiástica de associações de Pais e Professores.
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