Duarte Branquinho
«No início deste ano, a Coligação PSD/CDS-PP impôs a aplicação do Acordo Ortográfico
no Governo, na Administração Pública e no sistema educativo, mas este processo revelou-se
bastante problemático. Ignorância, resistências e erros fazem com que a confusão
esteja instalada. Este é um período negro para a Língua Portuguesa.
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«O Acordo Ortográfico (AO) da Língua Portuguesa começou a generalizar-se este ano, com a publicação de uma resolução do Conselho de Ministros que determinou que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, “o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, tal como o “Diário da República” e o sistema educativo. A maior parte dos portugueses só agora deu de caras, literalmente, com as alterações à ortografia. Muitos querem, à viva força, adoptá-la, para serem “modernos”, mas grande parte das pessoas não faz ideia se realmente tem que escrever seguindo o AO, nem como aplicá-10.»

«Administração pública»
«Na administração pública, a mudança não tem sido nada fácil. O exemplo devia vir de cima, mas a confusão da dupla grafia está instalada. A começar pelo próprio Programa do Governo e pelo Orçamento de Estado. Mas o exemplo mais gritante é o do jornal oficial, o “Diário da República”, onde nos últimos dias se assiste a um estranho co-habitar entre as ortografias anterior e posterior ao AO.»

«Por exemplo, no dia 19 de Janeiro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros publicou um Decreto Regulamentar que aprovou “a orgânica da Inspeção- Geral Diplomática e Consular”, respeitando o novo Acordo, e de seguida outro que “aprovou a orgânica da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas”, escrevendo com a ortografia antes do AO. Este é apenas um de muitos casos…»

«O DIABO ouviu um informático de uma Direcção-Geral encarregado de instalar nos computadores dos colegas o corrector ortográfico que segue o AO. Segundo esta fonte, a maior parte dos funcionários desconhece as regras e nem esperava tal medida. Acrescentou ainda que vários deles recusaram a instalação desta ferramenta informática.»

«Um desses funcionários contou ao nosso jornal um caso no mínimo curioso. Na sua caixa de correio electrónico recebeu uma mensagem de outro organismo público que terminava indicando o “contato direto”. Ora, “contacto”, mesmo segundo o AO, escreve-se com “c” em Portugal.»

«Imprensa»
«Nos jornais a confusão é semelhante. Mesmo os que já adoptaram o AO publicam textos de cronistas que escrevem segundo o que agora se chama “a antiga ortografia”. Da mesma forma que jornais que não adoptaram o AO permitem, a pedido dos autores, textos segundo o AO.»

«Nas televisões, a novidade deste ano foi a adesão da SIC ao AO, continuando a TVI como o único canal que não segue esta regra. Nos múltiplos canais por cabo, a legendagem alterna entre as duas grafias.»

«Mundo editorial»
«As maiores editoras aderiram em força ao AO, provavelmente convencidas que tal atitude lhes conferirá o acesso ao enorme mercado brasileiro. Mas muitas das mais pequenas não o seguem. Aqui também se passa um fenómeno semelhante ao dos jornais, já que normalmente se respeita a vontade dos autores quanto à ortografia a utilizar.»

«Ensino»
«No ensino básico público, os mais pequenos começaram este ano lectivo a aprender segundo as regras do AO, mas muitos deles utilizam manuais com a grafia anterior. Mesmo nas escolas privadas onde o AO já havia sido adoptado, os manuais continuavam a ser anteriores, o que, evidentemente, é péssimo para a aprendizagem da Língua.»

«No Ensino Superior, são poucas as Universidades que impuseram o AO. O DIABO falou com António Emiliano, professor de Linguística na Universidade Nova de Lisboa e feroz opositor ao AO, que disse: “Na minha Faculdade ainda não há nenhuma directiva ou tomada de posição sobre o assunto. Mas já tenho visto que alguns responsáveis começam a escrever segundo o AO”. Questionado sobre a atitude perante os alunos, António Emiliano respondeu que: “Tenho pedido nos exames que indiquem qual a ortografia que vão usar e a maioria escolhe a ortografia antes do AO. Todos os que declararam que usavam o AO, não sabiam aplicá-lo”.»

«Sinalética»
«Outra dor de cabeça será para vários estabelecimentos comerciais, como ópticas, lojas de electrodomésticos ou ligadas à electricidade, ‘ateliers’ de arquitectura, entre outros. Com tudo o que isso significa, não só a alteração da sinalética, como a de domínios de internet e de endereços de correio electrónico. Em termos de sinais, há ainda que recordar os sinais de trânsito, como é o caso dos que indicam “excepto residente”, por exemplo. Também as placas identificativas de direcções-gerais ou inspecções gerais, bem como departamentos de acção, implicarão um gasto tremendo por parte do Estado.»

«Tradução»
«O universo da tradução também está a ser bastante afectado. O facto de o português segundo o AO ser considerado “unificado”, permite o acesso de vários tradutores brasileiros a trabalhos para os quais não seriam anteriormente considerados aptos. Vários profissionais do ramo em Portugal têm alertado para os perigos desta abertura, não só laborais como linguísticos. Para António Emiliano, este fenómeno produzirá uma “decadência profunda em termos culturais para a Língua Portuguesa”.
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[Transcrição integral de peça jornalística da autoria de Duarte Branquinho publicada no semanário “O Diabo” de 07.02.12.]

Nota: os conteúdos publicados na imprensa ou divulgados mediaticamente que de alguma forma digam respeito ao “acordo ortográfico” são, por regra e por inerência, transcritos no site da ILC já que a ela dizem respeito e são por definição de interesse público.

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