Assunto: Retirar Contacto

Ex.mos Senhores,

Não desejo receber nada que aplique o novo Acordo Ortográfico, que considero um atentado à nossa identidade nacional no que ela tem de mais genuíno: a nossa língua. E a nossa língua é o português europeu, que não necessita deste Acordo para nada.

Contrariamente ao que alguns vão dizendo por aí, o novo Acordo não representa evolução nenhuma, antes significa um retrocesso, já que é, no essencial, um decalque da ortografia brasileira de 1943, particularmente no que toca às chamadas consoantes mudas. Convém relembrar, a propósito, que o Anexo II do Acordo de 1990 diz, acerca da unificação proposta pelo Acordo Luso-Brasileiro de 1945 – que nós e os outros seis países lusófonos até agora temos respeitado e que o Brasil decidiu não aplicar – que “assentava em dois princípios que se revelaram inaceitáveis para os brasileiros:
a) Conservação das chamadas consoantes mudas ou não articuladas, o que correspondia a uma verdadeira restauração destas consoantes no Brasil, uma vez que elas tinham há muito sido abolidas; (…) ”

O Brasil aboliu unilateralmente as ditas consoantes, porque não precisava delas para nada: por ser um país jovem que não se queria atrapalhar com a história da língua, a etimologia, ou as afinidades com as outras línguas românicas, bastando-lhe a transcrição fonética em termos de ortografia; por pronunciar como abertas todas as vogais átonas, contrariamente ao português europeu, o que é aliás uma característica arcaica do português do Brasil; por entender, o que é normal, dado tratar-se de um país resultante da independência de uma colónia, que devia seguir o seu caminho sem dar satisfações ao país colonizador.

Não contesto o direito do Brasil a fazer as opções que entender e até a desejar espalhar o seu domínio de país “emergente”, cheio de riquezas e potencialidades, a todo o universo da língua portuguesa que nós, pequeno país europeu, espalhámos pelos vários continentes. Mas entendo que os portugueses deveriam também considerar “inaceitável” este Acordo, que desfigura a nossa língua, lhe retira significado, inteligibilidade e história, a afasta das outras línguas românicas, acarretará alterações da nossa pronúncia e vai contribuir para a desintegração da própria tessitura sintáctica e vocabular, dado que os menos instruídos deixarão de distinguir na escrita as duas normas.

Muito mais poderia dizer porque tenho estudado esta questão a fundo, mas deixo um último argumento: não sejamos ridículos!

Aliás, a nossa magnífica política de língua, com a sua ambição de “internacionalização”, já está a dar os seus frutos: que grande escola francesa pode estar interessada em promover uma língua que anda agora a aprender a escrever (!) e que o Estado considera não ser importante ensinar como língua materna aos nossos emigrantes e luso-descendentes?

Todos temos responsabilidades nesta matéria e uma editora não pode furtar-se a assumir as suas. Não é com Acordos ortográficos que se promove uma língua, é com equipas de investigadores que sobre ela reflictam, que produzam dicionários, gramáticas, métodos, manuais, etc. Não há em Portugal um único dicionário comparável ao “Petit Robert”, a que recorro frequentemente quando procuro, para palavras portuguesas, uma explicação mais aprofundada e mais completa, a começar pela etimologia.

As nossas editoras apressaram-se a lançar no mercado “os mesmos” dicionários, com aplicação do Acordo… Progredimos muito em matéria de conhecimento da nossa língua, diversificação e desenvolvimento de obras de fundo para consulta corrente, não há dúvida…

É provável que não atendam ao que acabo de expor, mas cumpri o meu dever para comigo mesma e para com a língua, a cultura e a História que os meus antepassados me legaram e pelas quais devo zelar, para as transmitir em bom estado aos vindouros.

Com os meus cumprimentos e votos de um 2011 feliz,

Maria José Abranches G. S.

(Prof.ª aposentada do Ensino Secundário – Português e Francês; ex-Leitora na Universidade de Paris III)

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